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Resenha comentada: O direito à educação no contexto da aval (J. F. Soares)

Morgana Maria Pessôa Soares


O artigo inicia abordando o artigo 205 da Constituição Federal, cujo teor versa sobre o direito à educação. A questão levantada pelo autor é que este direito à educação vai além do direito de vaga na escola, trata-se do direito à aprendizagem, ou seja, se o aluno não aprender, o direito não se efetivará. Não basta estar inserido na escola, ele, o aluno, precisa alcançar seu pleno desenvolvimento, além de ser preparado para o exercício da cidadania e qualificado para o trabalho, conforme preconiza o artigo citado. São estes três objetivos os que devem ser atingidos para que se possa dizer que o direito à educação foi exercido.


Sendo um direito do cidadão, cabe ao Estado a verificação de seu cumprimento, individualmente. Ainda que o aprendizado possa ocorrer em outras estruturas sociais, a escola é o espaço de atendimento e cumprimento deste direito cidadão, então é a partir dela que se procura estabelecer as avaliações dos dois sentidos que norteiam o cumprimento do direito: trajetória escolar regular e aprendizados relevantes e em nível adequado.


Em relação à trajetória, o autor lembra que ainda que o aluno cumpra todo o trajeto escolar, deve fazê-lo de forma regular, cumprindo etapas na idade esperada. Neste sentido, uma trajetória irregular ou mais longa do que o necessário não cumpre adequadamente o direito à educação. Por outro lado, em relação ao aprendizado a questão é mais complexa, uma vez que é necessário definir o que e quais são os “aprendizados” ou competências que se espera que o aluno adquira em sua trajetória escolar e que possa atestar o cumprimento do direito à educação.


Soares alerta que, apesar do artigo 210 da Constituição delegar esta definição a uma futura lei a ser promulgada[1], isto não ocorreu: “consequentemente, a discussão necessária para a definição dos direitos de aprendizado ainda não foi feita de forma completa no País”. Ele diz ainda que a falta desta definição é uma das principais causas do não atendimento integral do direito, afinal, não se pode cumprir o que não está definido: cumprir o quê? “A ausência dessa definição demonstra a pouca importância atribuída à noção de direito no debate educacional” (p. 143).


Ainda assim, o governo monitora o direito à educação através do IBGE, de forma generalizada, através dos censos demográficos, e do Inep, com o censo escolar e as avaliações do Saeb. Os dados obtidos através dos censos atestam a trajetória dos estudantes, números de matrículas, de abandono, de aprovações e de reprovações. Entretanto, como já dito, a trajetória escolar é apenas um dos pontos a serem observados no cumprimento do direito à educação. Outro ponto, o da aprendizagem é bem mais complexo, levando em conta fatores tais como a indefinição de conteúdos mínimos e a incompletude, hoje apenas a leitura e a matemática são avaliadas. A monitoração é feita basicamente através do Saeb, que compreende o Aneb, a Prova Brasil e a ANA, mas o autor argumenta que se por um lado, a aferição da capacidade de leitura é um importante indicativo já que sem ela é essencial para a aquisição de outras competências, por outro, a avaliação realizada apenas com testes de múltipla escolha não certifica se o aluno teve seu direito atendido. “Além disso, os testes do Saeb não contemplam a capacidade de escrever” (p. 144).


Uma vez que são nas escolas que os alunos adquirem seu direito ao aprendizado, são as escolas as que devem ser acompanhadas, sem que se esqueça de que elas precisam ser vistas não apenas pelo aprendizado que proporcionam, mas pelo contexto em que se encontram, ou seja, segundo o autor, dois elementos devem ser monitorados nas escolas: o resultado das avaliações e o contexto do aprendizado.


Os resultados das avaliações são a base de instituição do Ideb, que, por sua vez, define as metas para as escolas, em curto e médio prazo. Esse indicador acabou por se tornar a bússola da educação básica brasileira. A partir dele é possível ter uma ideia tanto da trajetória dos alunos quanto do seu grau de aprendizado, ainda que baseado apenas em letramento e numeramento. Além disso, o Inep, responsável pelas ações de avaliação da educação básica, desenvolveu outros indicadores das condições socioeconômicas e das complexidades de gestão, além de três índices que caracterizam o docente: formação, regularidade e esforço. O autor acredita que o Brasil tem hoje um “sólido conjunto de indicadores que permitem monitorar as condições e os resultados das escolas” (p. 146).


O artigo aborda o conceito de sistema de ensino, instituído a partir da LDB, que se refere a ele como o conjunto de escolas de um município ou estado e dos órgãos colegiados associados à educação básica da unidade da Federação. Citando Lima (2014), o autor informa quatro categorias que formam um sistema de ensino: as administrativas (planejamento e execução financeira); orçamentária (compras, merenda, transporte etc); pedagógicas (currículo, avaliação, monitoração, capacitação docente, livro didático, calendário etc); e gestão de pessoas (carreira docente, por exemplo, recursos humanos e conselhos de participação e controle social). O monitoramento dos sistemas de ensino é feito ainda de forma precária, segundo o autor, para que “é necessário o desenvolvimento de indicadores para o acompanhamento dessas atividades, o que implica trazer para o monitoramento do direito à educação outras fontes de dados e a divulgação” (p. 146).

A crítica só autor se concentra no fato de que de nada adianta avaliar se não houver, a partir da constatação de uma necessidade, contribuição para “transformação da realidade educacional que propiciem melhor aprendizado dos estudantes” (p.146). O sistema de avaliação deveria, na opinião de Soares, servir como base de orientação para as decisões educacionais em nível micro e macro, ou seja, avaliando separadamente o aluno, a escola e o sistema.


Em relação ao que se designa avaliação diagnóstica, o autor utiliza uma metáfora medical, em que o diagnóstico “envolve a verificação da condição do paciente em relação a vários indicadores de saúde, obtida com a realização de testes diagnósticos”, ou seja, um diagnóstico é obtido a partir de vários elementos, na verdade, quanto maior o número de elementos, maior a probabilidade do diagnóstico corresponder à realidade. Por outro lado, um diagnóstico indica que algo será feito para sanar as mazelas apontadas por ele. No caso do aluno, ele deve ser avaliado em sala e, ao se verificar inadequação em seu processo de aprendizado, é preciso decidir como proceder. Essa decisão, na opinião do autor, deve ser tomada pela escola, consultando eventualmente a família do aluno acerca das intervenções necessárias.


Essa avaliação individual não é possível a partir do Saeb, uma vez que o sistema de avaliação enfatiza os aspectos gerenciais e não os pedagógicos. “As informações geradas pelo Saeb podem ser usadas – apenas com dificuldade – para atendimento de estudantes individuais” (p. 147). Ele indica o crescente uso do computador nas avaliações como meio que pode mudar esta realidade, uma vez que podem identificar as necessidades específicas de cada aluno, dando a eles a orientação específica, que podem incluir ações associadas à família.


Em relação às escolas, não basta apenas seu macromonitoramento, uma vez que o nível de reprovação de uma escola e de outra podem não estar relacionado a uma mesma circunstância. Cada escola tem a sua realidade e precisa ser acompanhada em todos os seus aspectos contextuais. Neste sentido, “a escola precisará buscar explicações para esse fato em seus processos internos, insumos, infraestrutura, gestão e ação de profissionais, ou seja, descobrir quais processos internos precisam ser aperfeiçoados para que esses resultados indesejados não mais ocorram”. (p. 147). Soares alerta que, entretanto, essa avaliação interna não é tarefa fácil e normalmente a escola precisa de ajuda sua realização. O autor atribui o pouco impacto das avaliações externas na rotina dos estabelecimentos de ensino a esta falta de ajuda interna, que pode advir de uma comissão que, juntamente à comunidade escolar, busca as explicações e intervém para a melhoria da qualidade da escola.


Pelo que posso concluir até aqui, não basta, então, que se assuma uma política de responsabilização, como a accountability, mas que se dê às escolas e seus gestores, respaldo e orientações para a melhoria e crescimento do aprendizado, garantindo o direito à educação.


Soares reafirma que o direito à educação só se dá com o aprendizado e que neste sentido, o Saeb e, principalmente, o Ideb são responsáveis por trazer a dimensão do aprendizado para o debate público, e, apesar da resistência do meio acadêmico às atividades de avaliação – equivocada segundo o autor – as informações de aprendizado estão muito além de apenas funcionar como controle e responsabilização da escola. Há um esforço no sentido de que haja retorno construtivo para as unidades de ensino.


Retomando a questão sobre o que deve ser aprendido – definição de conteúdos – outra circunstância que deve ser avaliada é o grau de aprendizado dos alunos, e o autor indica que o estabelecimento de níveis de aprendizado – como já utilizado em alguns estados – é importante para a definição de intervenções pedagógicas. Por exemplo, se um aluno é atestado em nível abaixo do básico, deve ser submetido a atividades de recuperação; se estiver em nível básico, necessitará de atividades que reforcem seu aprendizado; se em nível adequado podem ter atividades de aperfeiçoamento; e os de nível avançado, conteúdos que instiguem e desafiem sua cognição. Ainda que se observe que o ensino deve atender as especificidades de cada aluno, a definição de níveis serve de base para o Saeb traçar uma comunicação pedagógica produtiva de seus resultados. Quando falo em produtiva, refiro-me ao retorno construtivo de assessoria às escolas no sentido de melhorar a qualidade do ensino/aprendizagem com vistas ao cumprimento do direito constitucional à educação.


Por fim, o autor chega a um ponto crucial para a oferta deste retorno às escolas que é a falta de material humano, ou seja, de profissionais capacitados para as muitas tarefas que compõem a avaliação, apontando este como sendo o grande desafio do Saeb, a quem Soares indica que “precisa ter em seu bojo ações estruturadas em uma teoria de mudança, que indiquem as ações essenciais para mudar o sistema, a escola e oferecer mais aos alunos” (p.151).

[1]Art. 210 Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” (BRASIL, 1988. 35)

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